segunda-feira, 25 de maio de 2009

DELITO

1. INTRODUÇÃO

A Criminologia é uma ciência empírica que tem por objetos o crime, o delinqüente, a vítima e o controle social dos delitos. Baseia-se na observação, nos fatos e na prática, mais que em opiniões e argumentos, é interdisciplinar, vez que é formada por outra série de ciências e disciplinas, tais como a biologia, a psicopatologia, a sociologia e a política.

A Criminologia Moderna estuda quatro objetos: o delito, o delinqüente, a vítima e o controle social do crime. Pode-se falar que houve uma ampliação nos seus objetos de estudo, vez que antes analisava apenas o delito e o delinqüente.

O delito, além de objeto de estudo da criminologia, interessa também a outras disciplinas, como a Filosofia, a Sociologia, o Direito Penal, etc. Deste modo, é necessário delimitar o conceito de delito utilizado pela Criminologia, pois não existe único, e autonomia da Criminologia permite-lhe determinar seus objetos de estudo.

Para o Direito Penal, por exemplo, delito é toda conduta prevista em lei penal e somente a que a lei penal castiga. A Filosofia e a Ética vão mais além, conceituam delito do ponto de vista moral, natural, da razão, etc.

O Positivismo Criminológico na tentativa de formar um conceito material de crime, criou a imprecisa expressão “delito natural”, que Garófalo definia como “uma lesão daquela parte do sentido moral, que consiste nos sentimentos altruístas fundamentais (piedade e probidade) segundo padrão médio em que se encontram as raças humanas superiores, cuja medida é necessária para a adaptação do indivíduo à sociedade”, já outros estudiosos ressaltam a nocividade social da conduta ou periculosidade do seu autor.

A Sociologia utiliza o termo “conduta desviada”, tomando com referência as expectativas sociais, assim, será desviada aquela conduta que se afastar das expectativas sociais em um dado momento, contrariando padrões e modelos da maioria social.

A Criminologia utiliza o Direito Penal como ponto de partida para definir o delito, apenas como isso, vez que é ciência que possui autonomia científica. Ambas as ciências possuem relevantes diferenças diante das funções que correspondem a cada uma delas em relação ao problema do crime e, logicamente, do significado também distinto dos conceitos, técnicas e instrumentos dos quais um e outro se servem.

Diante da concepção do Direito Penal, temos que o delito tem natureza formal e normativa. O fato delitivo é tido como abstração. Já para a Criminologia não há tanto interesse na qualificação formal “correta” de um acontecimento penalmente relevante, preocupa-se mais com a imagem global do fato e do seu autor: a origem do fato real, sua estrutura interna e dinâmica, formas de manifestação, técnicas de prevenção do mesmo e programas de intervenção no infrator, etc.

O conceito de delito natural, acima exposto, não atende às necessidades da Criminologia, em virtude de sua ambigüidade e imprecisão. Acerta, todavia, ao denunciar o formalismo e a circunstancialidade das definições legais de delito, apresentando-se como circunstância crítica do direito positivo. Em última análise, o conceito de delito natural é também um conceito valorativo que substitui as valorações legais por valorações sócio-culturais. A Criminologia vê no delito uma inquestionável carga valorativa, com as inerentes a dose de relativismo, circunstancialidade, subjetivismo e incerteza. Tendo isso em vista, considera que não existem condutas desviadas.

A Criminologia Clássica (Tradicional), submissa às definições jurídico-formais de delito, fez do conceito de delito uma questão metodológica prioritária. A Criminologia Moderna, entretanto, contempla o delito não só como comportamento social, mas também como problema social e comunitário. Segundo alguns estudiosos, um fato ou fenômeno deve ser definido como problema social somente se ocorrerem as seguintes circunstâncias: incidência massiva na população; que referida incidência seja dolorosa, aflitiva; persistência espaço-temporal; falta de um inequívoco consenso a respeito de sua etiologia e eficazes técnicas de intervenção no mesmo e consciência social generalizada a respeito de sua negatividade.

O delito é, então, problema da comunidade, dela se originando e dela devendo ser extraídas fórmulas de solução positivas. Trata-se de um problema de todos, e não só do sistema legal.

À importância do estudo do delito, abre-se espaço nesse trabalho para enfocar algumas considerações acerca dos delitos decorrentes dos entorpecentes, tais como o uso e o tráfico.


2. DROGAS

2.1. Entorpecentes X Drogas

Ab initio, insta ressaltar, no âmbito da semântica jurídico-penal, a opção da nova lei pelo termo drogas, em vez da expressão substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica. Assim, no preâmbulo, estão definidos os seus fins maiores e o abandono dessa expressão, já superada no discurso médico, científico e jurídico: instituir o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad; prescrever medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelecer normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas.

No parágrafo único do art. 1º da Lei nº 11.343 de 23 de agosto de 2006, após reiterar os termos programáticos previstos na ementa preambular, a nova lei estabelece textualmente: “para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União”.

Temos, a partir de agora, um conceito legal desta categoria jurídica chamada drogas, que não ficou restrito à categoria dos entorpecentes, nem das substâncias causadoras de dependência física ou psíquica. Drogas serão todas as substâncias ou produtos com potencial para causar dependência, com a condição de que estejam relacionadas em dispositivo legal competente.

A Lei 10.409/02 já havia feito esta mesma opção terminológica, mas como todo o seu Capítulo III, que tratava dos crimes e das penas, foi vetado, permaneceu vigendo o texto penal da Lei 6.368/76 e, em conseqüência, a velha expressão vinha se mantendo na linguagem do Direito Positivo.

A verdade é que o termo drogas é de uso corrente no discurso acadêmico científico. Isso já poderia justificar a opção modificadora. Mas é, também, a nomenclatura preferencial da Organização Mundial de Saúde – OMS, que há muito abandonou o uso dos termos ou das expressões “narcóticos”, “substâncias entorpecentes” e “tóxicos”. Além disso, a Convenção Única sobre Entorpecente, da ONU, promulgada em 1961 e a Convenção contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, de Viena, de 1988, ao se referirem às substâncias tóxicas ou entorpecentes utilizam simplesmente o termo “drug”.

Trata-se, portanto, de nomenclatura que se consolidou mundialmente. E não podemos esquecer que nossa legislação sobre uso e tráfico ilícito de drogas, desde a década de 1960, tem sido baseada nas normas e recomendações constantes dessas duas convenções internacionais, como também em outras diretivas emanadas da ONU e da Organização Mundial da Saúde.

Tal ajuste terminológico era necessário, também, para eliminar de vez um foco de divergência, pois nem todas as substâncias causadoras de dependência podem ser classificadas como entorpecentes, como parecia indicar a lei anterior. Além disso, passou-se a entender que o essencial é o caráter de nocividade à saúde da substância tóxica ou entorpecente e de seu potencial para causar dependência, independentemente do resultado.

Como a Lei 6.368/76 utilizava a expressão substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, havia discussão, na doutrina e na jurisprudência, sobre a possibilidade de determinada substância, embora não relacionada oficialmente como entorpecente, pudesse causar tal dependência e, em conseqüência, ser considerada como objeto material do crime de tráfico.

Hoje o entendimento dominante da doutrina e da jurisprudência converge para defender a solução legal de que a droga esteja taxativamente descrita na portaria ministerial para o fim de se estabelecer o juízo positivo de tipicidade da conduta. É a solução que melhor se coaduna com o princípio da estrita legalidade.

Na verdade, a própria Lei 6.368/76, com a disposição contida em seu artigo 36, já havia colocado termo a essa discussão. A atual manteve idêntica orientação, estabelecendo que a substância configuradora do tráfico ilícito deve estar necessariamente prevista na relação oficial publicada pelo órgão competente do Ministério da Saúde. Neste sentido, o art. 66 da atual lei, em consonância com o referido parágrafo único, do art. 1º, é taxativo ao definir como “drogas as substâncias entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e outras sob controle especial, da Portaria SVS/MS nº 344, de 12 de maior de 1998”.

Trata-se, portanto, de norma penal em branco, cujo preceito deve ser complementado por norma de natureza extrapenal, no caso a referida Portaria do Serviço de Vigilância Sanitária, do Ministério da Saúde. Assim sendo, se for constatada a existência de alguma substância entorpecente não relacionada na Portaria nº 334, por força do princípio da estrita legalidade, sua produção, comercialização, distribuição ou consumo não constituirá crime de tráfico ou de porte para consumo pessoal.

2.2. Efeitos Das Drogas

As drogas, por atuarem no cérebro afetando a atividade mental, são denominadas psicoativas, e classificam-se em: estimulantes, depressoras e perturbadoras das atividades mentais.

As drogas estimulantes são aquelas que aumentam a atividade mental, uma vez que afetam o cérebro de modo que este funcione de forma mais acelerada. As drogas estimulantes mais difundidas são as anfetaminas, a cocaína e seus derivados.

As anfetaminas podem tanto ser ingeridas quanto injetadas ou inaladas. Agem cerca de quatro horas, provocando uma sensação de grande força e iniciativa, euforia, insônia e excitação. A cocaína, assim como as anfetaminas, pode ser injetada, ingerida ou inalada. No que diz respeito à duração dos seus efeitos, esta varia. Nos primeiros instantes após o seu consumo, o usuário fica eufórico, possui alucinações agradáveis, com sensação de força muscular e mental. Os seus batimentos cardíacos ficam acelerados e a sua respiração torna-se irregular. Depois, o usuário pode ter náuseas e insônia. Enfim, a cocaína em todas as suas formas causa séria dependência, sendo o seu principal vilão o crack.

As drogas depressoras diminuem a atividade mental, afetando o cérebro de modo que este funcione de maneira mais lenta. As depressoras, por sua vez, são o oposto das estimulantes. Nesta seara, as drogas mais conhecidas são os soníferos, a heroína, a morfina, a cola de sapateiro, o álcool, os remédios ansiolíticos e antidepressivos e seus derivados. Não obstante, aliviem a ansiedade e a tensão mental, essas drogas causam danos à memória, sonolência e alterações na capacidade de juízo e raciocínio.

A heroína consiste em uma substância inalável, podendo, excepcionalmente, ser injetada. Quando inalada acarreta forte sonolência, náuseas, retenção urinária e prisão de ventre, durando os seus efeitos basicamente cerca de quatro horas. Vale ressaltar que a superdosagem pode ocasionar o coma ou a morte por insuficiência respiratória. As drogas que derivam da morfina apresentam efeitos quase que idênticos aos da heroína, no entanto, a euforia é menor. O uso exarcebado dos antidepressivos, soníferos e ansiolíticos, preocupa bastante os médicos. No tocante às doenças psiquiátricas, como os distúrbios de ansiedade e depressões, tais drogas são de extrema importância, uma vez que o tratamento adequado atenua o mal-estar, proporcionando ao individuo uma vida normal.

Por fim, as drogas alucinógenas são aquelas que provocam distúrbios no funcionamento do cérebro, fazendo com que ele passe a trabalhar de maneira desordenada. No conjunto dos alucinógenos, as mais comuns são a maconha, o haxixe, os cogumelos, o ecstasy e o LSD.

O haxixe e a maconha geralmente são usados em forma de cigarro, muito embora possam ser inalados ou ingeridos. A maconha costuma afetar os olhos. O seu tempo de duração varia entre uma e seis horas. Em excesso, pode ocasionar efeitos paranóicos e pode ativar episódios esquizofrênicos em pacientes psicóticos. O LSD, por sua vez, é ingerido, podendo ser encontrado em tabletes, cápsulas ou líquido. A sua duração varia entre 10 e 12 horas. Esse tipo de droga, com o tempo, pode causar danos cromossômicos sérios, além de aumentar a ansiedade, o pânico e o suicídio, já que gera um medo enlouquecedor. Em contrapartida, o cogumelo, em regra, é ingerido em forma de chá. A duração de seus efeitos varia entre seis e oito horas, de modo a propiciar o relaxamento muscular, dores de cabeça e náuseas, seguidos de alucinações auditivas e visuais. O ecstasy, por fim, consiste em um comprimido comercializado em todo o mundo. Seus efeitos, por derradeiro, também são alucinógenos.

3. A LEI Nº 11.343/2006

3.1. Origem da Lei

Após 30 anos de vigência e diversas tentativas de mudança, a Lei 6.368/76 acabou revogada. Para muitos penalistas, estava ela superada pelas mudanças ocorridas na sociedade brasileira e não servia mais – como instrumento de controle penal eficaz e adequado - para os fins a que se propunha: prevenção, tratamento e repressão aos usuários e traficantes de substância entorpecente.

Revogada, também, está a Lei 10.409/2002, aprovada para substituir sua congênere da década de 1970. Objeto de inúmeros vetos, que lhe suprimiu toda a parte relativa aos crimes e penas, a Lei 10.409/02 acabou promulgada pela metade. Portanto, cumpriu parcialmente sua função revogadora e de substituição de sua irmã mais velha, com a qual teve de repartir a função de prevenir e reprimir a conduta do uso e do tráfico ilícito de substância entorpecente, até o momento da vigência da atual lei. Seu texto deformado, desfigurado, lacunoso e marcado por diversas imperfeições técnico legislativas, certamente, não deixará saudade.

Em face da situação extremamente confusa, causada pela vigência concorrente e simultânea de dois textos conflitantes e assimétricos, não restava outra alternativa ao Congresso Nacional senão a de aprovar uma nova lei que viesse a ordenar, de forma completa e unificada, esta matéria penal. Daí a aprovação da atual Lei nº 11.343/2006, de 23.08.2006, publicada no dia seguinte e que denominaremos de Lei de Drogas.

3.2. DESCRIMINALIZAÇÃO?

Apenas com o advento da Lei nº 6.368/1976, que dispunha "sobre medidas de prevenção e repressão ao tráfico ilícito e uso indevido de substâncias entorpecentes ou que determinem dependência física ou psíquica, e dá outras providências", em detrimento das demais existentes naquele momento, é que se passou a abordar a questão do tratamento e recuperação do usuário, sendo tida para os operadores do direito como um avanço em relação a anterior.

Na referida legislação, a conduta do porte para consumo pessoal era considerada crime, passando o dependente de drogas a ter tratamento diverso, ficando isento de pena, caso reconhecida sua inimputabilidade, sendo fácil vislumbrar a distinção entre traficante (art. 12), usuário (art. 16) e dependente (art. 19). Logo assim, o dependente, segundo majoritária corrente doutrinária, poderia, inclusive, ser reconhecido como um não criminoso, dado o conceito analítico de crime que os adeptos dessa corrente adotam. Nada obstante, o notável avanço dessa diferenciação, ela não restou imune a críticas.

Convém destacar, nesse comenos, que a Lei 6.368/76 foi alterada ou parcialmente revogada pelas Leis nº 8.072/90, 7.560/96, 9.804/99, 10.409/2002 e 10.741/03, porém, em relação à incriminação do uso, essas sucessivas alterações nada afetaram, uma vez que a Lei 10.409/02, que pretendia regular a matéria em sua totalidade, foi completamente desnaturada quando teve vários dispositivos vetados. Dessa forma, até a vigência da atual Lei 11.343/06, conviveu-se, como disse Damásio de Jesus, com uma "colcha de retalhos" feita com duas leis antitóxicos, uma tratando do direito material, ou seja, dos crimes e das penas ( Lei 6.368/76), e outra do aspecto procedimental (Lei 10.409/02).

Em que pese a clara incriminação feita ao consumo pela Lei 6.368/76, no início da década de 90, significativa parcela da doutrina e da jurisprudência pátria - quiçá inspirada por movimentos internacionais ou pelos ventos democráticos da Constituição de 1988 -, passou a sustentar a atipicidade penal da posse de drogas para uso pessoal.

Basicamente, três eram as correntes existentes: a) inconstitucionalidade da incriminação do uso, por interferência na esfera privada do indivíduo; b) ausência de perigo ou ofensa à saúde pública e; c) insignificância penal da conduta em determinadas situações.

A grosso modo, a primeira vertente defendia a necessidade de respeito ao direito do cidadão de usar estupefacientes, uma vez que este agir, supostamente, não interferiria na vida de outras pessoas, não sendo lícito, dentro do sistema de liberdades democráticas proposto pela então novel ordem constitucional, punir o viciado que, antes de tudo, é uma pessoa que precisa ser tratada e que teria a sua vida ainda mais arruinada se o Estado o tratasse como criminoso.

Por outro lado, partindo da posição daquele entendimento tradicional de que o bem jurídico tutelado nas infrações relativas às drogas é a saúde pública, outra corrente argumentava que na conduta de posse para uso de drogas não há expansibilidade do perigo, logo, não há como nela se identificar tipicidade material, na medida em que não importará em ofensa à saúde pública, sustentando-se que a expansibilidade do perigo e a destinação individual são condutas antagônicas, afinal destinação pessoal não se compatibiliza com o perigo para interesses jurídicos alheios.

Por fim, conquanto não apresentasse ostensivamente uma postura abolicionista, a terceira corrente sustentava que a posse de pequena quantidade de drogas, para uso pessoal, era um insignificante penal. Esse escólio, também partindo do pressuposto de que o porte para uso é crime de perigo contra a saúde pública, considerava-o não tipificado quando a quantidade, por tão ínfima, não fosse capaz de criar aquele perigo. Afirmava-se que nenhum tipo penal é instituído pela lei para existir por si mesmo, sem um sentido finalístico definido, e que a criação de tipos penais é determinada pelo princípio da imprescindibilidade deles como meio de proteger certos bens jurídicos essenciais. Por isso não se poderia considerar como típica a conduta de portar substância entorpecente sem a indispensável presença do perigo comum, que vem a ser, precisamente, o elemento necessário para que haja a consumação delituosa.

Sem embargo desses ponderáveis argumentos, a jurisprudência dos Tribunais Superiores firmou-se no sentido de não externar condescendência com os usuários de drogas, reafirmando a constitucionalidade da norma incriminadora do uso e afastando o argumento de que não atingiria a saúde pública, pois como argumentou o Min. Octávio Galotti "a capacidade de causar a dependência diz respeito às propriedades e não à quantidade encontrada, em cada caso, porque o crime ora cogitado é um crime de perigo" (...) "que está vinculado à potencialidade da droga, ao risco social e de saúde pública, até mesmo pelo exemplo que do fato pode advir, e não à lesividade comprovada em cada episódio concreto.”

Somente ao final da vigência da antiga Lei de Entorpecentes, a Segunda Turma do STF, ao julgar o HC 92961, decidiu por aplicar o princípio da insignificância. Eis a ementa:

HABEAS CORPUS. PENAL MILITAR. USO DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO NO ÂMBITO DA JUSTIÇA MILITAR. ART. 1º, III DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.

1. Paciente, militar, preso em flagrante dentro da unidade militar, quando fumava um cigarro de maconha e tinha consigo outros três.

2. Condenação por posse e uso de entorpecentes. Não-aplicação do princípio da insignificância, em prol da saúde, disciplina e hierarquia militares.

3. A mínima ofensividade da conduta, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica constituem os requisitos de ordem objetiva autorizadores da aplicação do princípio da insignificância.

4. A Lei n. 11.343/2006 --- nova Lei de Drogas --- veda a prisão do usuário. Prevê, contra ele, apenas a lavratura de termo circunstanciado. Preocupação, do Estado, em mudar a visão que se tem em relação aos usuários de drogas.

5. Punição severa e exemplar deve ser reservada aos traficantes, não alcançando os usuários. A estes devem ser oferecidas políticas sociais eficientes para recuperá-los do vício.

6. O Superior Tribunal Militar não cogitou da aplicação da Lei n. 11.343/2006. Não obstante, cabe a esta Corte fazê-lo, incumbindo-lhe confrontar o princípio da especialidade da lei penal militar, óbice à aplicação da nova Lei de Drogas, com o princípio da dignidade humana, arrolado na Constituição do Brasil de modo destacado, incisivo, vigoroso, como princípio fundamental (art. 1º, III).

7. Paciente jovem, sem antecedentes criminais, com futuro comprometido por condenação penal militar quando há lei que, em vez de apenar --- Lei n. 11.343/2006 --- possibilita a recuperação do civil que praticou a mesma conduta.

8. Exclusão das fileiras do Exército: punição suficiente para que restem preservadas a disciplina e hierarquia militares, indispensáveis ao regular funcionamento de qualquer instituição militar.

9. A aplicação do princípio da insignificância no caso se impõe, a uma, porque presentes seus requisitos, de natureza objetiva; a duas, em virtude da dignidade da pessoa humana. Ordem concedida.

Em detrimento de todo o exposto, com o advento da Lei 11.343/2006, verificou-se um inegável titubeio do legislador, o qual, talvez temendo a repercussão negativa, ou os efeitos nefastos que uma mensagem legislativa no sentido de descriminalizar o uso de drogas provocaria perante à sociedade, não ousou a tal ponto, mas acabou, na prática, por inviabilizar a aplicação de qualquer sanção penal.

Luiz Flávio Gomes um dos primeiros a escrever sobre a alteração legislativa, chegou a afirmar que "o legislador aboliu o caráter ‘criminoso’ da posse de drogas para consumo pessoal". O eminente jurista fundamentou seu entendimento na Lei de Introdução ao CP brasileiro, que em seu art. 1º dispõe: "Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente". Concluindo:

Ora, se legalmente (no Brasil) ‘crime’ é a infração penal punida com reclusão ou detenção (quer isolada ou cumulativa ou alternativamente com multa), não há dúvida que a posse de droga para consumo pessoal (com a nova Lei) deixou de ser ‘crime’ porque as sanções impostas para essa conduta (advertência, prestação de serviços à comunidade e comparecimento a programas educativos – art. 28) não conduzem a nenhum tipo de prisão. Aliás, justamente por isso, tampouco essa conduta passou a ser contravenção penal (que se caracteriza pela imposição de prisão simples ou multa). Em outras palavras: a nova Lei de Drogas, no art. 28, descriminalizou a conduta da posse de droga para consumo pessoal. Retirou-lhe a etiqueta de ‘infração penal’ porque de modo algum permite a pena de prisão. E sem pena de prisão não se pode admitir a existência de infração ‘penal’ no nosso País.

Portanto, para o referido autor, a posse de drogas assumia a feição de uma "infração sui generis" ou uma "infração para – penal", descartando, entretanto, que o artigo 28 da 11.343/06 configurasse um "ilícito administrativo", uma vez que "as sanções cominadas devem ser aplicadas não por uma autoridade administrativa e sim por um juiz (juiz dos Juizados Criminais)".

Sem embargo, data venia, a maioria da doutrina posicionou-se pelo reconhecimento de que o artigo 28 da Lei de Drogas prevê mesmo um "crime".

Deve-se ter em conta que o CP brasileiro é de 1940 e, portanto, não pode limitar os contornos das infrações penais no atual estágio da legislação brasileira, inclusive em face dos preceitos inovadores das políticas criminal e penitenciária contemporâneas e dos princípios e regras constitucionais existentes sobre o presente tema (vide, v.g., o art. 5º, XLVI, da CF, que abrindo a possibilidade de o legislador ordinário prever outras penas, determinou a adoção da "prestação social alternativa" e da "suspensão ou interdição de direitos").

Há que se destacar, ainda, a "colocação topográfica" do art. 28 dentro da Lei 11.343/2006, pois se encontra no Título III (Das Atividades de Prevenção do Uso Indevido, Atenção e Reinserção Social de Usuários e Dependentes de Drogas), Capítulo III, que cuida "Dos Crimes e das Penas".

Sucedeu-se, ademais, que, no devir histórico, a Primeira Turma do STF veio a tratar da questão, posicionando-se da seguinte forma:

A Turma, resolvendo questão de ordem no sentido de que o art. 28 da Lei 11.343/2006 (Nova Lei de Tóxicos) não implicou abolitio criminis do delito de posse de drogas para consumo pessoal, então previsto no art. 16 da Lei 6.368/76, julgou prejudicado recurso extraordinário em que o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro alegava a incompetência dos juizados especiais para processar e julgar conduta capitulada no art. 16 da Lei 6.368/76. Considerou-se que a conduta antes descrita neste artigo continua sendo crime sob a égide da lei nova, tendo ocorrido, isto sim, uma despenalização, cuja característica marcante seria a exclusão de penas privativas de liberdade como sanção principal ou substitutiva da infração penal. Afastou-se, também, o entendimento de parte da doutrina de que o fato, agora, constituir-se-ia infração penal sui generis, pois esta posição acarretaria sérias conseqüências, tais como a impossibilidade de a conduta ser enquadrada como ato infracional, já que não seria crime nem contravenção penal, e a dificuldade na definição de seu regime jurídico. Ademais, rejeitou-se o argumento de que o art. 1º do DL 3.914/41 (Lei de Introdução ao Código Penal e à Lei de Contravenções Penais) seria óbice a que a novel lei criasse crime sem a imposição de pena de reclusão ou de detenção, uma vez que esse dispositivo apenas estabelece critério para a distinção entre crime e contravenção, o que não impediria que lei ordinária superveniente adotasse outros requisitos gerais de diferenciação ou escolhesse para determinado delito pena diversa da privação ou restrição da liberdade. Aduziu-se, ainda, que, embora os termos da Nova Lei de Tóxicos não sejam inequívocos, não se poderia partir da premissa de mero equívoco na colocação das infrações relativas ao usuário em capítulo chamado ‘Dos Crimes e das Penas’. Por outro lado, salientou-se a previsão, como regra geral, do rito processual estabelecido pela Lei 9.099/95. Por fim, tendo em conta que o art. 30 da Lei 11.343/2006 fixou em 2 anos o prazo de prescrição da pretensão punitiva e que já transcorrera tempo superior a esse período, sem qualquer causa interruptiva da prescrição, reconheceu-se a extinção da punibilidade do fato e, em conseqüência, concluiu-se pela perda de objeto do recurso extraordinário.

Portanto, segundo a doutrina majoritária e o STF, ter-se-ia operado, com o advento do artigo 28 da Lei 11.343/06, uma "despenalização", mas não uma "descriminalização" ou abolitio criminis do porte de drogas para consumo pessoal, que continua a ser cime.

Em que pese essa conclusão, tem-se que a “despenalização” feita pelo legislador brasileiro foi muito além da “exclusão de penas privativas de liberdade como sanção principal ou substitutiva da infração penal", pois, em verdade, o modelo adotado pela Lei 11.343/06 inviabiliza, na prática, a aplicação efetiva de qualquer sanção penal, com exceção da esdrúxula "pena de advertência", configurando, na realidade predominante no cotidiano forense, uma total despenalização (ou impunidade), pois o juiz nada pode fazer em termos coativos contra o usuário.

Portanto, novamente concordando parcialmente com Luiz Flávio Gomes, não há como negar que a atual lei antidrogas promoveu, na espécie delitiva em comento, uma "banalização do Direito Penal", pois passou-se a ter um "crime" com conseqüências pífias (insignificantes) caso o infrator não cumpra as sanções impostas pelo juiz, revelando-se nítido o manejo de um Direito Penal simbólico latente.

De fato, note-se que o usuário de drogas, como não poderia deixar de ser, será processado e julgado pelos Juizados Especiais Criminais (art. 48, § 1º, da Lei 11.343/06), portanto, a princípio, fará jus à transação penal (art. 76 da Lei 9.099/95), que deverá, necessariamente, versar sobre as penas alternativas previstas no supramencionado art. 28 (art. 48, § 5º, da Lei 11.343/06).

Ora, se o agente for primário e de bons antecedentes, não revelando maior culpabilidade (segundo os vetores do art. 59 do CP), a "pena" a ser fixada nessa transação penal não pode ser outra a não a ser a de advertência, mesmo porque seria arrematado absurdo admitir-se uma sentença condenatória aplicando a "pena de advertência", por isso, em nosso entender, deve-se adotar a extravagante "pena" na primeira oportunidade azada, vale dizer, em sede de transação penal.

Essa pena alternativa transacionada, qualquer seja, não valerá para antecedentes nem para reincidência, nos termos art. 76, § 4º, da Lei 9.099/95. Entretanto, na lei especial em comento, ao contrário do que esse artigo da Lei 9.099/95 determina, se o indivíduo, depois de feita uma transação, for outra vez encontrado em posse de droga para consumo pessoal, não estará automaticamente impedida uma nova transação, mesmo que dentro do lapso de cinco anos, é o que se infere do disposto no §4º do art. 28 da Lei 11.343/06. O que mudará, nessa situação é que a advertência não será mais cabível, pois advertido ele já foi e a sua contumácia revelou que essa é uma "pena" insuficiente.

Portanto, após a "pena de advertência", tanto a prestação de serviços à comunidade como a medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo poderão, sim, ser transacionadas no patamar temporal estabelecido.

Aqui talvez resida a maior falácia da lei, pois, longe de preconceitos, a maioria dos clientes da justiça penal são inexeqüíveis pecuniariamente, na medida em que inseridos dentro daquele processo de "criminalização secundária" de que nos fala a doutrina penal.

Além disso, é sabido que as multas aplicadas em processos penais devem ser executadas pela Fazenda Pública (e não pelo Ministério Público), que nas mais das vezes não o faz, em virtude de contingências operacionais regulamentadas em lei, portanto, na maioria dos casos não restará outra alternativa a não ser aguardar a prescrição (que ocorrerá em dois anos, nos termos do art. 30 da nova lei)!

Por outro lado, se, por qualquer motivo, não for cabível a transação penal, havendo a propositura da ação penal, cabe ao Ministério Público analisar a possibilidade da suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei 9.099/1995), que, na prática, somente tenderá a ser aceita para evitar os efeitos indesejados de um antecedente e a perspectiva de reconhecimento da reincidência advindos de eventual sentença condenatória, pois esta, por também ser inexeqüível, não intimidará ninguém.

Com efeito, não sendo aceita ou não sendo viável a suspensão condicional do processo, segue-se o procedimento sumaríssimo dos Juizados Especiais Criminais, sendo que as penas do art. 28 da Lei 11.343/06, nessa hipótese, serão impostas, ao final, em sentença condenatória, gerando efeitos penais (antecedentes, reincidência, afastamento de benefícios, etc.).

Entretanto, se houver descumprimento da sentença condenatória, voltará a ter incidência o § 6º do art. 28 da Lei 11.343/2006, ou seja, caberá ao Juiz dos Juizados ou da Vara de Execuções Criminais (dependendo da pena aplicada) fazer a devida admoestação e, se necessário, aplicar a pena de multa, a qual, como dito anteriormente, na maior parte dos casos é inexeqüível.

Daí concluir-se que eventual processo por posse de drogas, na mais das vezes, somente servirá para fixar a reincidência (genérica) e, por conseguinte, evitar outros benefícios penais.

Na hipótese do usuário flagrado já ser considerado tecnicamente reincidente, o processo, na maior parte dos casos, não terá qualquer perspectiva de efetividade, pois qualquer pena que vier a ser aplicada não será exeqüível e o processo será completamente inútil!

Se o legislador queria afastar a possibilidade da aplicação irrefletida da pena privativa de liberdade ao usuário não precisaria fazer o que fez, pois o art. 76 da Lei. 9.099/95 já prevê que somente podem ser objetos de transação penal as penas restritivas de direito ou multa. Ademais, está consolidado no âmbito dos tribunais pátrios que, diante do não cumprimento do referido benefício, não há como se converter a pena restritiva de direitos transacionada em privativa de liberdade,

Em resumo, a posição da legislação brasileira, além de não ser terapêutica, não é pedagógica, pois embora considere crime o porte para consumo próprio, criou penas cuja força repressiva é tão inexpressiva que ninguém se sentirá dissuadido a não usar drogas.

Pelo contrário, dado o estímulo do "fruto proibido", o porte de drogas, a partir da nova lei, revelar-se-á em "interessante" instrumento de contestação do "poder Estatal", pois, mesmo na remotíssima hipótese do usuário ser flagrado (em virtude da conhecida deficiência policial no combate ao crime), ele sabe que, se vier a ser condenado, a sanção penal não lhe provocará nenhuma "dor", não tendo porque temê-la, o que rende ensejo ao escárnio de todo um sistema de repressão estatal, afinal o usuário sabe, desde o início, que não "vai dar nada". Vale dizer, entre a descriminalização e a despenalização, optou-se pela "desmoralização" do sistema penal.

3.3. O Tráfico

O art. 1º da Lei 11.343 publicada em 23 de agosto de 2006 instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD), prescrevendo medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas, e estabelecendo, ainda, normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas, definindo seus crimes.

A Nova Lei de Tóxicos surgiu em meio a uma crise social, reforçada sempre que possível pela mídia, na qual a população brasileira se vê refém de organizações criminosas. Essas organizações dominam desde os morros e favelas em todo o território nacional, assim como várias empresas e os três poderes da União, em esquemas de lavagem de dinheiro, comércio ilegal de armas e o próprio tráfico de entorpecentes.

O tráfico de entorpecentes está ligado a toda uma problemática social que engloba a procura excessiva por drogas, o crescimento desordenado da marginalidade, a dificuldade do Estado em garantir a segurança dos cidadãos, além de muitos outros problemas que o país enfrenta.

O sociólogo Túlio Kahn, pesquisador do ILANUD (Instituto Latino-Americano da ONU para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente), afirma que três razões podem ser enumeradas para o aumento da violência entre os jovens no país: o crescimento rápido e desorganizado das periferias dos grandes centros urbanos, a maior disponibilidade de armas de fogo em circulação e o aumento das atividades do narcotráfico.

Segundo Eduardo Luiz Alves de Araújo em seu artigo “Limites do artigo 33 da Lei 11.343/06 e suas causas de diminuição de pena nos crimes regidos pela Lei 6.368/06”:

“Isso é reflexo da política brasileira de combate à criminalidade, mais voltada a agravar penas e recriminar indivíduos, ao invés de investir em educação, saúde, emprego, moradia, etc. Nesse sentido, o SISNAD vem como mais uma arma contra a instabilidade e o caos instaurados nas cidades do país (novamente acentuados - por assim fazerem parecer - pelos meios de comunicação social)”.

A nova Lei de Drogas (Lei nº 11.343/06), que revogou as Leis nº 6.368/76 e 10.409/02, conserva a proibição do uso de drogas ilícitas, no entanto possui sanções mais benéficas no que diz respeito ao usuário. A intenção do legislador com a nova lei foi no sentido de manter-se a política criminal da proibição do uso, mas de uma forma menos rígida. Prevê em seu artigo 28:

“Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas;II - prestação de serviços à comunidade;III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo”.

No tocante ao tráfico, por sua vez, a nova lei foi bem mais severa estabelecendo em seu artigo 33:

“Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa”

A lei 11.343/06 também foi mais benéfica com relação ao réu não reincidente estabelecendo que, nos delitos previstos no art. 33, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.

É importante ressaltar que, por força do princípio da legalidade, a lei nova só pode retroagir para atingir fato praticado na vigência da lei revogada se for para beneficiar o réu, e a lei velha somente pode ser aplicada após a sua revogação, igualmente para beneficiá-lo.

A doutrina e jurisprudência vem se posicionando no sentido de que as benesses da nova lei (parágrafo 4º), em face da combinação da lei velha com a lei nova, se aplicam aos fatos executados na vigência daquela, por força da retroatividade da norma mais benéfica, desde que a pena mínima aplicada não fique aquém de um ano e oito meses.

Nesse sentido decidiu a 5ª Turma do STJ, no HC nº 87464-RS, Rel.Min. Arnaldo Esteves Lima:

"Tráfico de entorpecentes. Pena-base acima do mínimo legal. Regime de cumprimento de pena. Substituição por restritiva de direitos. Possibilidade. Ordem concedida. Art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06. Habeas corpus concedido de ofício. 1. Considerações abstratas... 2. Praticado o delito em 5/11/04 - portanto, antes do advento das Leis 11.343/06 e 11.464/07... 3. Pela interpretação sistemática do art. 33 da Lei 11.343/06, verifica-se que a nova tipificação das condutas, anteriormente definidas no art. 12 da Lei 6.368/76, tem como preceito secundário um espectro de pena que varia de 20 (vinte) meses a 15 (quinze) anos de reclusão. 4. Sendo mais benéfica ao réu, a norma penal deve retroagir à luz do art. 5º, XL, da Constituição Federal (novatio legis in mellius). Ordem concedida para reduzir a pena aplicada a 3 (três) anos de reclusão (...) Habeas corpus concedido, de ofício, para determinar que o Juízo das Execuções Criminais analise se presentes os requisitos do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06 e, em caso afirmativo, defina o montante da redução (de 1/6 a 2/3) até o limite da pena em 1 (um) ano e 8(oito) meses de reclusão.

Sobre a retroatividade da lei penal, por sua vez, determina a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 5º, XL, que "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu".

Também é o preceito esculpido no Código Penal Brasileiro, em seu artigo 2º, parágrafo único, ao dizer que "a lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado".

Por conseguinte, inicialmente dois posicionamentos passaram a ser adotados nas sentenças judiciais, defendendo, ou não, a possibilidade de conjugação de leis, para a retroatividade isolada do citado §4º. Primeiro, há aqueles que afirmam dever haver retroatividade da causa de diminuição, por se possível a cumulação de leis, aproveitando-se o tratamento benéfico da lei nova sobre a pena aplicada com base na Lei 6.368/76.

Em sentido oposto, doutrinadores defendem a impossibilidade da retroatividade de dispositivos isolados, sob o fundamento de que o preceito constitucional da retroatividade da lei penal mais benéfica se limitaria à Lei em si, e não a dispositivos que, isoladamente, sejam considerados mais favoráveis que os correspondentes das leis anteriores. Adotam, pois, o posicionamento do eminente Nelson Hungria quando dos seus comentários ao Código Penal, defendendo que permitir a combinação de leis autônomas significaria criar uma terceira, tornando o juiz, dessa forma, um legislador, o que iria contra o princípio da tripartição orgânica de Montesquieu.

Após, e a depender do posicionamento adotado, far-se-á necessário avaliar, destarte, até que ponto a lei mais benéfica poderá retroagir, definindo-se variáveis com fulcro nos Princípios norteadores do Direito e até nas formas de resolução de conflitos de leis.

4. DROGAS E CRIMINALIDADE

A lei nº 11.343/06 trouxe importantes modificações na forma como os delitos que envolvem entorpecentes passaram a ser tratados pelo nosso ordenamento penal e pelo Poder Executivo. Entre outras, as principais alterações verificadas dizem respeito à análise do delito, a partir de suas determinantes e conseqüências sociais, bem como ao procedimento a ser adotado durante a instrução criminal desses crimes.

No tocante às conseqüências sociais do delito, temos que houve uma grande valorização do potencial perigo para a coletividade representado pelo transporte e produção de substâncias entorpecentes. Neste sentido, com apoio no Princípio da Alteridade ou da Transcendência, ocorreu a despenalização da conduta do indivíduo que consome estes derivados químicos ou naturais, sem que este consumo prejudique ou tenha potencial de prejudicar a incolumidade da sociedade e agravamento das demais penas.

Isto porque aquele que se utiliza de entorpecentes na intimidade do seu, ou ainda que em local público, sem alarde, não poderá ser punido com pena privativa de liberdade, uma vez que o único dano que está causando é a sua própria saúde, sendo esta uma questão que interessa muito mais ao Sistema Público de Saúde do que ao Direito Penal. Por outro lado, não pode ser a mesma conclusão feita a partir da análise da conduta do indivíduo que trafica drogas ilegais, oferecendo-as em porta de escolas, universidades, festas, entre outras oportunidades.

Nesta última situação, as conseqüências são imensuráveis, passando pelo fomento de conflitos familiares, pequenos crimes que alimentam o vício até o fortalecimento de grandes organizações criminosas como o Comando Vermelho – CV – e o Primeiro Comando da Capital – PCC, que desafiam o poder estatal. A ação coordenada destas últimas costuma ser freqüentemente associadas ao aumento dos índices de criminalidade nos locais onde estão sediadas.

Neste ponto reside a característica mais marcante destes delitos. Em outras palavras, nota-se que os crimes de drogas estão diretamente relacionados com o aumento nos índices de outros crimes, como furtos, roubos e latrocínios, praticados por usuários que desejam patrocinar seus próprios vícios, sendo, portanto, um crime fim. Já os traficantes praticam estes crimes, objetivando auferir recursos que serão utilizados na compra de armas e equipamentos que tornem suas organizações mais fortes e aptas para o tráfico. Quanto mais vendem drogas mais fortes ficam; mais fortes, podem vender mais drogas, completando o ciclo vicioso.

Aduz-se, ainda, que houve uma crescente preocupação na análise das circunstâncias em que ocorrem o delito, a fim de que seja possível adequar tipicamente a conduta encontrada no caso concreto na disposição do diploma legal em comento. Isto por causa de sua grande repercussão social. Logo, por exemplo, aquele indivíduo encontrado em poder de pequena quantidade de drogas poderá ter sua conduta enquadrada no tipo do art. 28 ou do art. 31, a depender das características da prisão. Neste sentido, tem menor relevância o autor do delito que o próprio delito.

Esta preocupação poderá ser notada ainda no próprio texto legal, valorizando o contexto social do delito, que tem, entre outros, objetivos “contribuir para a inclusão social do cidadão, visando a torná-lo menos vulnerável a assumir comportamentos de risco para o uso indevido de drogas, seu tráfico ilícito e outros comportamentos correlacionados”, tal como se lê no art. 5º, I.

Ainda, de acordo com o referido ato normativo, em seu art. 18 vislumbra-se que “constituem atividades de prevenção do uso indevido de drogas, para efeito desta Lei, aquelas direcionadas para a redução dos fatores de vulnerabilidade e risco e para a promoção e o fortalecimento dos fatores de proteção”.

Em seu artigo O projeto de lei anti-drogas, o delegado de Polícia/MG Geraldo Toledo teceu relevantes comentários sobre outra característica dos delitos de entorpecentes, afirmando que:

“(...) Assim é o mundo das Drogas. O Traficante escolhe um local e começa a revenda das substâncias entorpecentes. Se majorar a procura ele aumenta seus funcionários, conhecidos vulgarmente como “aviões”, se minorar, vai embora.

O Traficante-chefe é difícil de encontrar. Ou porque ele detém um certo poder na Lei do Silêncio ou porque está ligado diretamente às grandes autoridades e grandes políticos, o que praticamente inviabiliza o trabalho processual-criminal.

Os “aviões” sempre que são presos, são imediatamente substituídos por outros. É fácil ser avião. Não se exigem muitos requisitos, como em outros crimes. O grande dificuldade é que os “aviões” são o grande problema da atual criminalidade. Os “aviões” brigam entre si, brigam com gangs rivais e muitas vezes se envolvem no consumo das drogas que eles mesmos traficam. Muitas vezes as brigas entre seus pares e com as outras gangs de “aviões” terminam em mortes. A maioria possui armas de fogo para defesa de seu território e de seu “trabalho”. Aqueles que se envolvem com drogas costumam descumprir acordos com o Traficante-chefe, o que acaba em homicídio. O desacordo comercial com o Tráfico é punido com a Pena de Morte”[1].

Importante notar que os delitos de entorpecentes não são praticados por pessoas que seriam facilmente identificáveis pela Teoria do Labeling Aproach ou do Etiquetamento. A explicação está no fato de que estes criminosos muitas vezes não fazem parte dos grupos marginalizados pela sociedade. Médicos, empresários, advogados e estudantes estão incluídos entre aqueles que usam ou traficam, tanto como indivíduos de classes mais baixas e sem possibilidades.

Em outro ponto, a nova legislação modificou, ainda, o procedimento criminal dos referidos delitos. Em Aracaju, a competência para processar e julgar as ações penais que apuram os crimes previstos na Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, de acordo com a Lei Complementar nº 131/06, pertence à 4ª Vara Criminal, ressalvadas a competência privativa dos Juizados Especiais, do Tribunal do Júri, da Justiça Militar, da Justiça Federal e de outras Varas Especializadas. Lá constatamos em entrevista com a Assessoria as características do delito.

Fomos informados que atualmente existem 748 processos em andamento. Destes, 87 são processos que envolvem entorpecentes, ou seja, 12% do total. O tempo médio de tramitação varia de acordo com a complexidade do caso, mas, em geral, gira em torno de seis meses. A respeito do índice de reincidência, asseverou que não existe um dado preciso acerca do tema. Todavia, constata-se que nesses crimes é alta.

Sobre o perfil do acusado, afirmou que a maioria dos acusados, além de traficantes, também são usuários, com baixo nível de escolaridade e de condições financeiras. Estes, geralmente, são presos em virtude de denúncias anônimas. Os acusados praticam o crime em suas residências ou em via pública, o que abala a comunidade.

Finalmente, acrescentou que não há nenhum serviço de acompanhamento social do acusado ou de sua família nesta vara especializada, nem tampouco há nenhum trabalho nesse sentido realizado pelo Poder Judiciário de Sergipe. Em anexo, seguem alguns dados obtidos em visita realizada ao local.

5. PARTICIPAÇÃO FEMININA NO TRÁFICO

Cumpre salientar a crescente participação feminina no delito de tráfico de drogas. O contingente de mulheres presas no Brasil por tráfico de drogas ultrapassa a marca de dez mil. Isto porque essa prática já responde por mais da metade das detenções femininas nos últimos anos. Segundo entidades especializadas no assunto, trata-se de um fenômeno mundial.

Neste contexto, há duas principais facetas para a entrada e participação das mulheres nas atividades ilícitas relacionadas ao tráfico de entorpecentes.

De um lado, estão as chamadas “mulhas do tráfico”, que são aquelas mulheres com boa aparência, de classe média, muitas vezes com diploma na mão, mas desempregadas, que são aliciadas por traficantes para transportarem as drogas, principalmente do Brasil para a Europa. A beleza é explorada pelos traficantes, pois eles acreditam que as mulheres mais bonitas são tratadas com maior condescendência pela polícia durante eventos de fiscalização.

Além disso, com a entrada em vigor, da Lei do Abate, que permite ao governo atacar aviões suspeitos de ilegalidades, os grandes traficantes resolveram pulverizar suas remessas de drogas, ou seja, optaram por espalhar sua mercadoria entre viajantes que usam estradas e aeroportos, em lugar de lotar pequenos aviões com a droga e correr o risco de sofrerem grandes prejuízos.

A técnica de ingestão de drogas via oral, para o transporte ser feito com as cápsulas no estômago de quem as ingeriu, está sendo substituída pela implantação da mercadoria sob a pele da pessoa.

Para carregarem a droga, aceitam fazer incisões cirúrgicas no próprio corpo, principalmente nas coxas e nos seios, onde se inserem maiores quantidades, escondendo sob a pele mercadorias ilegais como cocaína e ecstasy.

Pelo serviço, de acordo com a quantidade transportada, recebem entre US$ 1 mil e US$ 15 mil. Pelo crime, são condenadas a penas que variam de três a 15 anos de prisão.

A outra face da entrada das mulheres nesse serviço, é daquelas que são aliciadas por seus companheiros, e usam essa forma de “comércio” para garantir o sustento da família.

Na maioria das vezes elas participam, ajudando seus maridos e namorados, dos quais dependem financeiramente, acobertando o tráfico dentro de sua própria casa, que serve como ponto de venda e esconderijo, fazendo a comida dos traficantes e cuidando dos feridos, entre outras tarefas.

Mas o serviço das mulheres não pára por aí, quando os maridos são presos elas também assumem o papel deles, dando continuidade à “atividade econômica da família”.

De acordo com o livro “Falcão – Mulheres e o tráfico”, de Celso Athayde e MV Bill, as mulheres estão chegando a posições de chefia nas bocas de fumo e realizam, inclusive, trabalhos de execução de pessoas.

Falcão — Mulheres e o Tráfico é a continuação do projeto pioneiro que resultou no documentário e no livro Falcão — Meninos do Tráfico, lançado no ano de 2006. Trabalhando em favelas de todo o Brasil com meninos envolvidos no tráfico de drogas, os autores MV Bill e Celso Athayde descobriram que a vida desses "falcões" estava visceralmente ligada à trajetória de suas mães, filhas, irmãs, amigas, esposas e namoradas.

Na obra, os autores contam histórias de mulheres de diferentes idades, valores e projetos de vida, que de alguma maneira passaram a interagir e, em alguns casos, a integrar a indústria do tráfico de drogas. Este livro é o relato de como os autores conheceram essas mulheres e de sua convivência com elas. Além disso, é também um esforço para que o Brasil conheça a história delas.

De acordo com dados do Departamento de Narcóticos de São Paulo, de cada dez traficantes presos, oito são mulheres. Na Bahia, os dados indicam, como principal causa das condenações, tráfico, posse e uso de entorpecentes – das 336 mulheres que cumprem pena, 200 (59,5%) estão enquadradas em ocorrências relacionadas com drogas.

Em Sergipe, a situação não é diferente, em visita à Penitenciária Feminina de Aracaju, fomos atendidos pela Coordenadora do Cartório, Márcia Maria da Silva, que, com a autorização da Diretora Lilia Maria Batista de Melo nos forneceu dados sobre as 109 internas da instituição, os quais foram convertidos em gráficos que seguem em anexo, demonstrando o perfil das detentas do Prefem.

A maior parte das 109 detentas do presídio Feminino de Aracaju é formada por adultas de 30 a 45 anos, pardas, solteiras e com ensino fundamental incompleto. 71% das presas estão condenadas ou sendo processadas por quadrilha, notadamente no tráfico de drogas.

Segue em anexo, também, a entrevista realizada com uma das 77 presas pelo trafico de drogas, a qual ratifica a teoria já apresentada, pois a entrevistada, enquadra-se perfeitamente no segundo grupo de mulheres que participam da atividade então estudada, ou seja, é uma mulher de meia idade, com família, que tinha participação indireta na venda das drogas, haja vista que era o seu marido, que também encontra-se preso, que traficava dentro de sua própria casa, local em que ambos foram presos em flagrante.

6. A REALIDADE CARCERÁRIA DE SERGIPE

Em pesquisa realizada nas casas de detenção do Estado de Sergipe, verificou-se que o tráfico de entorpecentes continua como uma das maiores causas de condenações e, conseqüentemente, de prisões no Estado, ficando atrás apenas do crime de roubo.

Como exposto, as mulheres estão sendo mais utilizadas pelos traficantes como “mulas” ou “aviãozinho” (aquele que transporta a substância ilícita de uma localidade para outra). Em regra, essas mulheres são nordestinas que foram à região sul/sudeste com a esperança de uma melhor condição de vida. Diante o desemprego, tais emigrantes acabam sendo alvos fáceis para os traficantes.

Ademais, apesar de não possuir dados concretos até o presente momento, a assessoria judiciária da Vara da Infância e Juventude de Sergipe afirma que costumeiramente menores são utilizados para transportar tóxicos, posto que são inimputáveis penalmente.

Por fim, insta salientar que muitas organizações criminosas disponibilizam a seus “colaboradores” toda estrutura jurídica, bem como um “auxílio” à família daquele quer for preso.

Segue abaixo tabela demonstrativa da quantidade de presos por tráfico de drogas em alguns presídios do Estado de Sergipe:

Complexo Penitenciário

Presos por tráfico de tóxico

Total de presos

Porcentagem de presos por tóxicos

Complexo Penitenciário Dr. Manoel Carvalho Neto

160

1468

10,90

Penitenciária Estadual de Areia Branca - Semi Aberto

51

591

8,62

Presídio Feminino

42

70

6,0

Hospital de Custódia e Tratamento de Sergipe

0

85

0

Presídio Regional Juiz Manoel Barbosa de Souza

4

204

1,96

Presídio Regional Senador Leite Neto

16

228

7,01

Penitenciária Estadual De Areia Branca - Fechado

67

339

19,76

Complexo Penitenciário Advogado Antonio Jacinto Filho

71

568

12,50

Cadeia Territorial de Nossa Senhora do Socorro

21

116

18,10

TOTAL

432

3699

11,67

Em pesquisa realizada junto ao Complexo de Tecnologia de Informação da Secretaria de Segurança Pública do Estado de Sergipe, extraímos dados estatísticos concernentes ao delito de Uso ou Consumo de Drogas gerados pelo atendimento do 190 no período de 02 de abril de 2009 a 02 de maio de 2009, que consta no presente trabalho no Anexo C.

7. ESTATÍSTICAS

Dados da Delegacia Especial de Combate a Tóxicos e Entorpecentes mostram que o crack está sendo mais consumido em Sergipe. O número de apreensões aumentou muito. Em 2007, a Delegacia especializada registrou 51 ocorrências relacionadas ao tráfico de maconha, 13 com cocaína e mais 21 atreladas ao comércio ilegal de crack. O Centro de Aracaju, Itabaiana e a BR 235, em diferentes pontos, foram os locais onde a polícia mais registrou casos de apreensão de droga e prisões de traficantes. 57% deles são jovens com idade entre 18 a 30 anos.

O Batalhão de Choque (BPChq) da Polícia Militar divulgou recentemente que as principais ocorrências registradas através do 190 foram por tráfico de drogas, furto, roubo e porte ilegal de arma de fogo. 45% das ocorrências ocorre no Bairro Santa Maria. O Major PMSE Carlos Rollemberg afirma que o combate ao tráfico de drogas está sendo constante.

Um estudo realizado pela 17ª Vara Cível descobriu que 65% dos adolescentes que cumprem medidas sócio-educativas consomem algum tipo de droga. Segundo o Ibope, 60% das famílias dos dependentes não conseguiram tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O Poder Judiciário, por sua vez, pesquisou um grupo composto de 180 adolescentes em conflito com a lei. Eles foram acompanhados pelo Núcleo Técnico Operacional da 17ª Vara Cível. Desse total, 117 declararam usar algum tipo de droga. A maconha é consumida por 52% dos jovens, principalmente entre os de 17 a 19 anos. O álcool apresentou o maior percentual de usuários entre as drogas lícitas, 38%. Além dos problemas de saúde e mentais, o uso da droga gera outro grave problema, que é o abandono do cumprimento das medidas sócio-educativas, especialmente entre os que fazem uso do crack.

8. MEDIDAS PREVENTIVAS E REPRESSIVAS

Questão relevante, no debate acerca dos efeitos adversos gerados pelo uso indevido da droga, é a associação do tráfico de drogas ilícitas e dos crimes conexos, geralmente de caráter transnacional, com a criminalidade e a violência. Esses fatores ameaçam a soberania do País e afetam a estrutura social e econômica interna, exigindo que o Estado adote uma postura firme de combate a tais ilícitos, articulando-se internamente e com a sociedade, de forma a aperfeiçoar e otimizar seus mecanismos de prevenção e repressão e garantir o envolvimento e a aprovação dos cidadãos.

A efetiva prevenção ao consumo de entorpecentes é fruto do comprometimento, da cooperação e da parceria entre os diferentes segmentos da sociedade brasileira, bem como dos órgãos governamentais, federal, estadual e municipal.

As mensagens que são utilizadas em campanhas e programas preventivos devem ser claras, atualizadas e fundamentadas cientificamente, considerando as especificidades e peculiaridades do público-alvo, as diversidades culturais, a vulnerabilidade, respeitando as diferenças de gênero, raça e etnia.

Nesse diapasão, foram criadas a Política nacional Anti-Drogas, com o escopo de desenvolver uma linha mestra nas ações de combate às drogas, e, posteriormente, a Lei 11.343/2006 instituindo o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – SISNAD, preceituando medidas de caráter preventivo do uso indevido, bem como estabelecendo normas de repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícitos de drogas.

A Política Nacional Anti-Drogas atende a Constituição Federal de 1988, concernente às garantias fundamentais e liberdades individuais, fundamentos de um Estado Democrático de Direito. E, ainda, observa todas as diretrizes trazidas acima, atendendo as peculiaridades e especificidades de cada parcela da população, visando, dessa forma, uma maior abrangência e profundidade das suas ações.

Dessa forma, entre os pressupostos básicos da Política predita, podemos citar:

· A conscientização do usuário de drogas ilícitas acerca do seu papel nocivo ao alimentar as atividades e organizações criminosas do narcotráfico;

· O reconhecimento da “lavagem de dinheiro” como a principal vulnerabilidade a ser alvo das ações repressivas, objetivando a desarticulação do crime organizado relativo às drogas;

· A necessidade da realização de ações coordenadas entre todos os Órgãos responsáveis, com o escopo de impedir que o território nacional seja utilizado para o cultivo, a produção, a armazenagem, o trânsito e o tráfico de drogas ilícitas;

· A coordenação de ações que busquem reduzir a oferta de substâncias proibidas;

· O desenvolvimento de medidas repressivas e punições severas contra os responsáveis pela produção e tráfico de entorpecentes;

· O reconhecimento do uso irracional das drogas ilícitas como fator importante na indução da dependência, devendo, por essa razão, ser objeto de um adequado controle social, notadamente nos aspectos atinentes à propaganda, comercialização e acessibilidade de parcelas vulneráveis da população.

Portanto, acolhendo como suas bases as idéias acima trazidas, a Política brasileira de combate às drogas se torna uma importante ferramenta de conscientização da sociedade acerca dos efeitos negativos, individuais e coletivos, do uso de drogas ilícitas.

Passados os pressupostos basilares da Política Nacional Anti-Drogas, tratemos agora de alguns dos seus objetivos:

· Difundir o conhecimento sobre os crimes, delitos e infrações relativos às drogas ilícitas, prevenindo-os e coibindo-os por meio da implementação efetiva de políticas públicas para a melhoria da qualidade de vida do cidadão;

· Combater o tráfico de drogas, bem como os crimes conexos, em todo o território nacional, dando ênfase às áreas de fronteiras terrestres, aéreas e marítimas, por meio do desenvolvimento e implementação de programas socioeducativos específicos, multilaterais, que busquem a promoção da saúde e a reparação dos danos causados à sociedade;

· Assegurar, de forma contínua e permanente, o combate à corrupção e à lavagem de dinheiro, como forma de estrangular o fluxo lucrativo do tráfico de drogas.

Para a efetiva execução desta Política, faz-se mister a sua promoção descentralizada nos municípios, com o apoio dos Conselhos Estaduais de políticas públicas sobre drogas, bem como da sociedade civil, adequando-a às peculiaridades de cada localidade, tratando prioritariamente as parcelas mais vulneráveis da comunidade.

O sucesso da Política Anti-Drogas passa pelo desenvolvimento e promoção de atividades repressivas e de controle, como, por exemplo, a fiscalização, por meio de dos Órgãos competentes do Ministério da Justiça e da saúde, de todo o comércio de insumos que possam ser utilizados na produção de drogas ilícitas, a estimulação da integração entre as Secretarias de Estado de Segurança Pública e o Departamento de Polícia Federal, objetivando o aperfeiçoamento de estratégias e ações comuns no combate ao narcotráfico e crimes conexos.

De uma forma concisa, podemos afirmar que é necessária a redução da oferta da droga, através da adoção de medidas de caráter repressivo, visando atingir as grandes organizações criminosas, bem como a diminuição da procura pela referida substância, através de ações de prevenção, conscientizando o usuário do mal causado pelo consumo daquela droga, tanto individual como coletivamente.

Por fim, ressaltamos a importância da criação da Política Nacional Anti-Drogas que, futuramente, poderá nos levar a uma sociedade mais segura e imune a esse mal, destacando sempre o papel fundamental que possui a conscientização de toda a população acerca dos malefícios trazidos pela droga.


9. CONCLUSÃO

O uso de drogas e a associação de criminosos para o tráfico não são certamente figuras novas. A propagação do tóxico no mundo atingiu um ponto alarmante. As associações criminosas para fins de tráfico passaram a funcionar como um verdadeiro “Império”, envolvendo países de todo o mundo. Milhões de pessoas, direta ou indiretamente, estão envolvidas na produção, distribuição e consumo de drogas.

O tráfico apresenta-se de forma extremamente organizada; os chefes do tráfico legislam sobre todos os aspectos da vida daqueles que dominam. Eles desafiam a ordem jurídica do Estado, criando uma espécie de estado paralelo, com normas, cargos e economias próprios.

Para obtenção de qualquer êxito no combate ao tráfico deve haver ação conjunta de todos os países. A droga representa, em dias atuais, um problema mundial que deve ser tratado em nível internacional, tanto no que concerne à repressão quanto à prevenção, resguardando as diferenças entre os povos e nações.

É necessário que o Estado adote meios eficazes para prevenir, reprimir e punir aqueles que fazem do tóxico um meio de vida, como o traficante, e dando oportunidades para que o experimentador e o mero usuário tenham condições de superar o problema e curar-se.

Muitos podem ser os motivos que levam os jovens ao mundo das drogas, entre eles a procura de um prazer momentâneo ou a fuga de uma realidade difícil. De uma forma geral, o vício pode originar-se de causas internas, como a genética ou enfermidades. Ainda, o vício pode ser causado por fatores externos, como a curiosidade, a auto-estima baixa, a pressão de grupos ou ainda a falta de autocontrole; nessas situações encontram-se os indivíduos facilmente influenciáveis que se deixam levar por argumentos de outros ou ainda por situações existenciais diversas.

É evidente que essas são as causas mais comuns. Todavia, existem centenas de causas, que variam de indivíduo, de personalidade, de meio-ambiente, nível cultural e equilíbrio emocional.

Do ponto de vista físico, o viciado passa a depender da substância entorpecente para viver. Do ponto de vista psicológico, a droga abate o ego, destrói no viciado os valores de convivência e enfraquece-o fisicamente. Do ponto de vista material, a perda pelo viciado de sua capacitação profissional elimina sua possibilidade econômica de adquirir a droga, tornando-se presa fácil para os traficantes.

Neste trabalho procurou-se demonstrar possíveis medidas de prevenção e repressão ao tráfico de drogas. Insta salientar que a pior orientação seria a de confiar apenas ao Direito Penal para que ele possa resolver todas as questões pertinentes às drogas, como por exemplo, ressocializar o usuário. O mais sensato seria um política preventiva. Entretanto, não há como abandonar a repressão. O que realmente vale em matéria de drogas é a conscientização geral da população sobre seus efeitos nefastos.

Pensar em uma sociedade sem drogas seria o sonho de todas as nações civilizadas. No entanto, trata-se de uma utopia. Há que se contentar com um índice tolerável, que deverá ser o menor possível, mas que não deve ser reduzido a zero pela inexistência de “vacina” que venha a prevenir a incidência desse mal.



[1] TOLEDO, Geraldo. O projeto de lei anti-drogas. Disponível em: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/1491/O-projeto-de-lei-anti-drogas. Acesso em 15 de maio de 2009 às 14h.